AQC ENTREVISTA: NEY MORAES (*) SOBRE HENFIL

Esta série de entrevistas é uma iniciativa da AQC em apoio ao livro "Sick da Vida", coletânea de entrevistas do cartunista Henfil organizadas pelo quadrinhista, jornalista, escritor e biógrafo Gonçalo Silva Jr. O livro foi lançado na plataforma Catarse pela Editora Noir. Por isso, pedimos que você apoie, compartilhe e comente. https://www.catarse.me/henfil
1. Como você conheceu o trabalho do Henfil?
Em casa, com meus pais. Líamos o Pasquim desde os anos sessenta e o Henfil era dos meus desenhistas favoritos, com um humor extremamente crítico. Eu adorava o Fradim e a turma da caatinga (Zeferino, Graúna e Bode Orellana) e Ubaldo, o paranóico. Lia as cartas para a mãe, numa revista semanal (acho que era na Isto é...).
2. Qual foi o impacto inicial?
Henfil foi parte da minha formação política no final da infância e adolescência. Oferecia generosamente um olhar crítico sobre o cotidiano da ditadura e do processo de luta pela redemocratização do Brasil.
3. O que chamou mais atenção o humor escrito, as gags visuais ou o traço?
Os três aspectos se integravam com perfeição. Um traço leve, ligeiro, um humor ácido e tiradas geniais se combinavam na crônica diária.
4. Seu trabalho teve influência direta? Se teve, em que sentido?
A arte do Henfil contribuiu diretamente na minha crítica política, no jeito como vejo a realidade brasileira e como atuo sobre as questões sociais. Como minha profissão é centrada na organização comunitária e na mobilização, a influência é direta e muito importante.
5. Qual foi a impacto dos Quadrinhos e Charges do Henfil na Imprensa Sindical? E na esquerda?
Desde os anos sessenta, o movimento sindical de luta organizava jornais como instrumento de mobilização e formação política de suas bases. Nesses jornais, as charges do Henfil eram frequentes, pois a linguagem, o desenho e o humor eram muito fáceis de ler e compreender, sendo uma arma estratégica de comunicação rápida e eficiente. No início dos anos oitenta, Henfil era unanimidade (ou quase isso) tendo uma parte da sua produção virado uma peça de teatro, Revista do Henfil, que correu o país com muito sucesso. Muito dessa produção foi utilizada nos materiais educativos e militantes do PT e de outras organizações, como os centros de formação do movimento sindical. Nessa época, as páginas de humor do Henfil nas revistas semanais eram assunto das conversas entre amigos, sempre chamando atenção para a crônica política e social.
6. Acompanhava as entrevistas do Henfil na Imprensa?
Lembro de ler algumas entrevistas e das conversas de bar com amigos, depois, comentando. Não lembro de alguma que tenha sido irrelevante. Todas traziam temas e abordagens comprometidas com a construção de outro país, em tempos de sonho e luta. E sempre muito contemporâneas.
7. O que achou da iniciativa da Editora Noir em reunir estas entrevistas em um livro? Que efeito acha que este livro terá em você e nos demais leitores?
Nos tempos sombrios que vivemos, relembrar as falas de um personagem da resistência à ditadura que expressam a luta e as pautas visceralmente conectadas ao movimento, aos direitos humanos, às causas sociais, é um modo de prestar nossas homenagens a quem luta e lutou assim como serve para manter viva a esperança que vemos em "uma luz no fim do túnel", como dizia a cena final da peça Revista do Henfil. É a oportunidade de relembrar e de apresentar as novas gerações um pouco mais dos tempos de vida, sonho e luta.
8. Henfil era um profissional multimídia, atuando na TV e no Cinema. O que achou das produções do cartunista em TV Homem e Tanga, deu no New York Times?
Não lembro da TV Homem, mas "Tanga" é uma paródia genial, muito adequada para tempos de Fake News.
9. Pra você, qual é o tamanho da falta que Henfil faz?
Henfil é uma daquelas pessoas que não devem ser esquecidas e que se mantêm vivas inspirando a gente. Impossível imaginar o que teria sido a produção dele nos governos Collor, Itamar, FHC, Lula... E hoje, com essa criatura abjeta. Vivemos, depois de sua morte prematura, um processo em que o humor político perdeu muito de sua graça e leveza; muitos humoristas penderam para o conservadorismo. O tipo de humor de artistas como Henfil, Quino, Angeli, Glauco, Bira entre outros é imprescindível para iluminar a crítica social e política.
10. As novas gerações conhecem pouco do trabalho do Henfil e ainda é pouco compartilhado nas redes. O que fazer pra melhorar isso? O livro organizado pelo Gonçalo Jr pode ajudar?
A imensa produção de Henfil precisa ser reeditada e esse livro das entrevistas, organizado pelo Gonçalo Júnior e um importante passo nessa direção.
11. O Brasil hoje está 'sick da vida' com tantos ataques à democracia, à inclusão social, racial e de gênero, à distribuição de renda? Ou a coisa precisa piorar mais pro povo reagir?
O advento das redes sociais alterou a maneira como as pessoas acham que atuam socialmente. Há uma percepção de que clicar "joinha" ou um "vomitinho" é suficiente; os partidos profissionalizaram a política, abrindo mão da atividade dos militantes; a pandemia nos impôs um isolamento e a saída das ruas. Tudo isso afeta a maneira como "reagimos" à situação deplorável em que nossa sociedade está vivendo hoje.
12. Como Henfil estaria reagindo à sanha fascista, totalitária e anti-democrática que abocanhou os três poderes?
Henfil teria criado dezenas de personagens e estaria produzindo intensamente, gritando aos quatro ventos a revolta e mobilizando os artistas para a disputa ideológica.
13. Henfil foi um dos fundadores do PT, que se propunha a transformar radicalmente a sociedade. Esta décima terceira pergunta é o espaço pra suas considerações, não finais, mas futuristas. É possível ainda transformar o país de forma radical? O humor entra nisso?
Só o humor crítico social e políticamente comprometido com uma sociedade justa e igualitária possui o caráter antiautoritário necessário para manter acesa a esperança e o desejo de mudança. É assim que transmitimos às futuras gerações a certeza de que dá pra fazer diferente e que lutar por isso é o nosso legado. Sonhos não envelhecem.
(*) CONTATO COM NEY MORAES
https://www.facebook.com/neymf
Historiador e educador social, Ney Moraes é filho de uma família de intelectuais de esquerda, cresceu entre os livros e quadrinhos de seus pais. Foi dono do Clube Campineiro de Leitores, onde esses quadrinhos circulavam entre amigas e amigos apreciadores da leitura. Seu mestrado tem um capítulo dedicado à HQ, por influência dessa tradição familiar.

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