AQC ENTREVISTA: BETH LORENZOTTI SOBRE HENFIL

Esta série de entrevistas foi uma iniciativa da AQC em apoio ao livro "Sick da Vida", coletânea de entrevistas do cartunista Henfil organizadas pelo quadrinhista, jornalista, escritor e biógrafo Gonçalo Silva Junior. O livro foi lançado na plataforma Catarse pela Editora Noir, recebeu 235 apoios e ultrapassou a meta para publicação em quase 50%, atingindo 147% e comprovando que as ideias do cartunista Henfil propagadas em suas entrevistas continuam sendo atuais e esclarecedoras. A AQC se sente orgulhosa de ter apoiado uma iniciativa tão incrível e necessária.https://www.catarse.me/henfil Você pode ter mais informações sobre como adquirir o livro através do site https://editoranoir.com/ ou da página do Facebook: https://www.facebook.com/editoranoir/
1-Como você conheceu o trabalho do Henfil?
Foi no Pasquim, durante a ditadura. O jornal alternativo que todos líamos e nos lavava a alma, e ainda era super engraçado.
2- Qual foi o impacto inicial?
Eu gostei logo de cara. Eram os Fradinhos. Confesso que as maldades do Baixinho muitas vezes me arrepiavam. Sádico total ahahahahahahah. Mas tão engraçado e aquelas rodinhas, quase perninhas correndo. No cravo e na ferradura, uma peste verdadeira!!!
3- O que chamou mais a atenção o humor escroto, as gags visuais ou o traço?
Acho que não dá pra separar. Mas acho admirável, sempre que encontro em qualquer trabalho- desenho, escrita, pintura, música, dança, - um estilo, que é só você olhar nem precisa de assinatura. Tá lá, é o fulano, a fulana. Taí. É o Henfil!
4- Seu trabalho teve influência direta? Se teve, em que sentido?
Acho que essa pergunta é mais para os artistas do traço aqui. Eu sou da pena. Sou uma receptora e serviu no mínimo para abrir minha mente em relação à importância dessa arte para a denúncia, a conscientização, a resistência!
5-Qual foi o impacto dos quadrinhos e charges do Henfil na imprensa sindical? E na esquerda? Entre seus amigos? Quais eram os comentários das pessoas?
Ah a imprensa sindical! Vou contar uma historinha: foi minha melhor experiência na carreira jornalística, verdade! Embora breve, intensa. Na implantação do Departamento de Imprensa no Sindicato dos Bancários de SP, que recém havia expulsado os pelegos, 1980 por aí. Então já havia a experiência do Pasquim. Tinha como prato principal basicamente cartunistas e chargistas. Porque até então os jornalões reservavam mínimo espaço para o traço. E quando havia era pra quadrinhos estadunidenses, que durante anos e até recentemente mantiveram. Estadão não sei se ainda tem, mas periga. Nunca que eu saiba esse jornal teve quadrinho nacional. Mas uma época, mais recente, abriu a página de opinião para dois cartunistas. Bom, com as experiências da imprensa alternativa, então, Pasquim, Opinião, depois Movimento e uma miríade de nanicos, viu-se a importância do traço. E a nova imprensa sindical convocou o pessoal. Nos Bancários tivemos o Éton, nos Químicos o Bira Dantas, discípulo do Éton, garotinho. E nos Metalúrgicos do ABC o Vargas (que desenhava o João Ferrador), e em tantos em todo o país começaram a provar a importância do desenho para capturar, em primeiro lugar, o olhar do trabalhador. Creio que todos esses profissionais tiveram influência diretíssima do Henfil. Não foi fácil ocupar esse espaço. Eu me lembro nos Bancários de gente que dizia que o Departamento de Imprensa não trabalhava. Um -diziam- ficava ouvindo rádio e rabiscando, o Éton. Ah, vou aproveitar para falar sobre a preponderância do texto escrito sobre o traço. A única experiência na história da imprensa que deu ao desenho e à foto, a partir de 1956, sua autonomia e pagou as colaborações no mesmo valor que os autores de textos foi o Suplemento Cultural do Estadão criado pelo professor Antônio Candido e editado por Décio de Almeida Prado. Escrevi um livro sobre, com reproduções de todos e ilustrações- Suplemento Literário. Que falta ele faz! Porque o desenho está sempre subordinado ao texto, ele vem para ilustrar o que o texto diz. Lá, inúmeras vezes um belíssimo desenho pousava solto na página. E mais: o projeto do professor Antonio Candido para os donos do Estadão contemplava pagamento igual para texto e ilustração. Certamente foi a primeira vez na história da imprensa. E infelizmente, quando acabou a primeira fase brilhante do Suplemento, também acabou essa estratégia. Não tinha anúncios, e então... Bom, mas na década de 80 uma briga era, pelo menos nos Bancários, para cada tendência de esquerda representada, passar a pauta ao ilustrador, isto é dizer como devia ser seu desenho, o que desenhar. Não estavam acostumados a deixar livre os meninos para a imaginação. Aliás, meninos sim, porque eram todos homens. Ainda não havia meninas. Eu sempre batalhei pela independência do trabalho dos chargistas e ilustradores, quando fui editora nessas publicações. Isso significava enfrentamentos com os diretores sindicais. Mas afinal a gente ganhava. Com o tempo perceberam o sucesso das charges na Folhinha Bancaria diária. A importância que tinha essa linguagem e como chegava direto aos trabalhadores. Estávamos em sindicatos do chamado novo sindicalismo e estouravam as greves iniciadas pelos metalúrgicos em 79. Boletins, panfletos, filipetas, tudo enfim era ilustrado, E precisava ser. E passava a ser fundamental. Quantos jornais da oposição sindical, quanto material se rodava. Quantos jornais e quantas experiencias importantes e pioneiras. Claro que todo mundo, da pena e do traço, era fã do Henfil. Seu trabalho, se não era encomendado diretamente, porque ele já estava cheio de trabalho, era publicado, republicado, replicado. Henfil já estava no TV Mulher, criado pela jornalista de esquerda e ex-presa política Rose Nogueira. Imaginem Henfil na Globo! Quem imaginaria? Não me lembro de jamais ter ouvido comentários desgostando de Henfil, pelo menos no nosso meio. Respeito e admiração ao seu trabalho era o que existia. Também Henfil contribuiu exatamente para que o trabalho de desenhistas, chargistas, ilustradores, fosse mais considerado. Já na época não se imaginava um jornal de sindicato sem ilustração. O espaço já estava conquistado.
6- Acompanhava as entrevistas do Henfil na imprensa?
Lia tudo. Mas minha memória não chega a lembrar e discriminar alguma. Eu lia semanalmente também as Cartas à Mae, que eram deliciosas.
7-O que achou da Editora Noir em reunir estas entrevistas em um livro? Que efeito acha que este livro terá em você e nos demais leitores?
Esse livro será fundamental para puxar a memória e lembrar tudo aquilo que conhecemos do HEnfil. E nos demais leitores, especialmente as gerações mais jovens, aqueles que já desenham, os que vão desenhar, os que vão escrever ou não, uma contribuição histórica importante. Fundamental presença na cultura brasileira de resistência à ditadura, será útil principalmente para que se conheça essa página infeliz da nossa História. Que se tornou menos insuportável graças aos desenhistas, principalmente o mais famoso deles, Henfil.
8- Henfil era um profissional de multimidia atuando na TV e no cinema, o que achou das produções do cartunista em TV Home e Tanga, deu no New York Times?
Eu me lembro de Tanga. Acho que foi o mais famoso, E essa frase “deu no NYT” ficou para sempre cravada como uma crítica à subserviência colonizada.
9-Pra você qual é o tamanho da falta que Henfil faz?
Adoraria continuar contando com as novas charges do Henfil. É imensurável a falta que ele faz! Nossa cultura tão esfacelada pelos ditadores! Nossos artistas talentosos, decentes, que nunca venderam a alma, resistentes sempre nadaram contra a corrente da indústria de massas. São eles que ficarão. Viverão para sempre, voltarão e vencerão.
10- As novas gerações conhecem pouco o trabalho de Henfil. Apesar de uma exposição de originais no Centro Cultural Banco do Brasil (2005) no Rio e em SP ter tido público recorde na época, o trabalho dele (apesar do enorme esforço do Instituto Henfil, criado pelo filho Ivan Cosenza) ainda é pouco compartilhado nas redes. O que fazer para melhorar isso? O livro organizado pelo Gonçalo Jr. Pode ajudar?
Não é só neste caso, as novas gerações não têm acesso a nossa historia, quiçá à historia da cultura brasileira. Claro que sim. E é preciso agilizar o compartilhamento de Henfil nas redes, a divulgação para quem não conhece. Já surgem o Bode Zeferino, Graúna e Orelana na eternamente, inesquecível: Tão vendo alguma esperança? Neste 2022 com pandemia e genocida no poder. Criar e vivificar a memória de Henfil, vocês já estão contribuindo. Vamos em frente!
11- O Brasil hoje está sick da vida com tantos ataques à democracia, à inclusão social, racial e de gênero, a distribuição de renda. Ou a cosia precisa piorar mais pro povo reagir?
Acho que finalmente está começando a reação. Escrevo em janeiro de 2022. A falecida sociedade civil está acordando, mas não se sabe o que será.
12- Como Henfil estaria reagindo à sanha fascista, totalitária e antidemocrática que abocanhou os três poderes?
Nem sei como Henfil faria com tanto assunto, tanto absurdo diuturno. Tanto sofrimento, tanta dor, tanta fome, tanto horror. Ele saberia.
13-Henfil foi um dos fundadores do PT, que se propunha a transformar radicalmente a sociedade. Esta 13ª pergunta é o espaço para suas considerações, não finais, mas futuristas. É possível transformar ainda o país de modo radical? O humor entra nisso?
É sempre possível e é nosso dever sempre lutar para mudar um mundo de injustiças. A luta é eterna, ela sempre continuará. Mas no nosso país, que já tinha conquistado tanto, mesmo ainda com tanto a conquistar, e foi invadido por legiões barbaras. No nosso país temos de expulsar esses bárbaros, temos de reconstruir o que destruíram, temos de sanar tantas chagas, temos de reviver nossos sonhos. Vamos precisar de todo mundo. E a consciência que se desperta com humor é mais pedagógica. Não se vive sem humor/amor. Um binômio ótimo. A América Latina retoma governos de tradição democrática e o Brasil também retomará. Não será fácil o resgate. Mas venceremos!
QUEM É ELIZABETH LORENZOTTI
Nasceu em São Paulo, graduada em Jornalismo (1975) e mestre em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicação e Artes da USP (2002) com a defesa do tema Do artístico ao jornalístico: vida e morte de um Suplemento-Suplemento Literário, de O Estado de S. Paulo (1956 a 1974). Iniciou a trajetória na imprensa na Agência Estado como Redatora. Antes fez estágio nos Diários Associados e trabalhou na sucursal paulista de O Globo. Em 1980 participou da implantação do Departamento de Imprensa no Sindicato dos Bancários de São Paulo, onde editou o Suplemento Diário da Folha Bancaria que passou incialmente de mil para 10 mil exemplares em poucos meses e chegou a 100 mil nos anos posteriores. Era um instrumento de informação e conscientização, distribuído pela diretoria e militantes aos bancários em seus locais de trabalho. Foi editora da revista Carícia, da Editora Azul, empresa subsidiária da Editora Abril; editora assistente da Folha de S. Paulo e editora do Guia do Estudante na Editora Abril. Foi editora-chefe do Jornal da USP e repórter de política do jornal digital Panorama Brasil. Editora da revista Nova Escola, da Fundação Victor Civita (Editora Abril) e no Grupo Estado, editora-assistente das editorias de Geral e Educação. Na Revista do IDEC, focada sobre direitos do consumidor, foi Diretora de Redação por quatro anos. Fez reportagens sobre arte, literatura, arquitetura e design para a revista Bienart, da Fundação Bienal de São Paulo; colaborações para o Suplemento Fim de Semana, (suplemento cultura do jornal Valor Econômico). Editora da revista Nova Escola, da Fundação Victor Civita (Editora Abril). Também foi editora de revista Panorama Editorial, da Câmara Brasileira do Livro. Foi colaboradora da revista Sem Terra, do MST, desde sua fundação e durante vários anos. Na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC) foi professora auxiliar de ensino de técnicas de jornalismo para alunos de quinto a oitavo semestres do curso de Jornalismo. Ainda na PUCSP- Professora da Cogeae (Coordenadoria Geral de Especialização e Extensão), do Programa de Pós-Graduação Lato-Sensu em Comunicação Jornalística no Curso de Jornalismo Institucional e Públicos Estratégicos. Na Universidade Metodista, professora do curso de Jornalismo Cultural no programa de pós-graduação lato-sensu no Curso de Jornalismo, História e Literatura. Em 2007 lançou o livro Suplemento Literário – Que Falta ele faz (ensaio), em 2010 Tinhorão, o Legendário (biografia), ambos pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo e As Dez Mil Coisas, 2011 (poesia) pela Biblos Editora para Amazon.com. Lançou o ebook Jornalismo Século XXI- O modelo #mídiaNINJA, em agosto de 2014, pela e-galaxia. A obra narra a trajetória da Mídia Ninja, coletivo midialivrista que provocou polêmica no establishment da comunicação. Em 2021 participou de coletânea de crônicas publicadas por jornalistas no Escritablog -Um mar vivo de corações expostos- pela Editora Lavra.
Elizabeth Lorenzotti mantém o blog VivaBabel focado em Cultura e literatura.
https://www.vivababel.blogspot.com/
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