AQC ENTREVISTA: BRUM

Esta série de entrevistas é uma iniciativa da AQC em apoio ao livro "Sick da Vida", coletânea de entrevistas do cartunista Henfil organizadas pelo quadrinhista, jornalista, escritor e biógrafo Gonçalo Silva Junior. O livro foi lançado na plataforma Catarse pela Editora Noir. Por isso, pedimos que você apoie, compartilhe e comente. https://www.catarse.me/henfil
1. Como você conheceu o trabalho do Henfil?
Desde que me entendo por gente admiro cartuns, então, provavelmente já havia visto coisas do Henfil só que não tinha a menor ideia de quem era. Era mais um no meio de tantos “desenhos divertidos” que eu ficava admirando. Eu não entendia o que me atraia nesse tipo de desenho, nem tinha maturidade para entender nada. Eu era muito novo. Tinha uns 11 anos quando ele faleceu. Daí quando que tinha uns 16 ou 17 anos, um amigo mais velho, Vital Filho, me presenteou com sua coleção do Fradim. Devo ter devorado a coleção umas duas ou três vezes seguidas, maravilhado com aquele trabalho, com aquele humor/critica porrada. A cabeça deu um looping, não só na forma de ver os cartuns, mas na maneira de ver os acontecimentos ao meu redor. Desde então comecei a pesquisar mais sobre Henfil e tudo relacionado a ele. Comecei a procurar seus cartuns e quando deparei já era um fã clube de uma pessoa só, com direito a tatuagem no braço. Tanto que até hoje, volta e meia a coleção sai da estante e vai pra minha mesa, pra mais uma das milhares de releituras já feitas.
2. Qual foi o impacto?
Talvez o maior impacto relacionado a minha área de trabalho. Eu já era fã de gênios como a Laerte, o Angeli, o Glauco, que me inspiraram a ser cartunista. Mas o Henfil entrou como uma “voadora nos peito”. Tinha críticas ali de anos, mas que eu lia e parecia que tinha acabado de ser feito tal a sua força...e hoje, quase 30 anos depois de ter esse primeiro impacto, a sensação continua a mesma. Mudou totalmente minha forma de ver essa arte, aliás, não só essa arte, como eu já disse anteriormente, mudou a forma de ver o que acontecia ao meu redor. A partir dali eu vi que a crítica, a porrada é o que importa, muito mais do que desenhos super bem elaborados e cheios de acabamento. Ví o que realmente importa para um trabalho de charge ser bem feito. Vi que a risada é apenas um recurso pra prender a atenção do leitor, mas nem de perto é o objetivo final dessa forma de desenho.
3. O que chamou mais atenção o humor escrito, as gags visuais ou o traço?
A força crítica e atemporal que seus rabiscos rápidos traziam. O como seus poucos traços fazia o leitor refletir, se sentir atingido com determinada situação e se sentir incomodado de ficar calado, sem fazer nada, diante de tais realidades desenhadas. 4. Seu trabalho teve influência direta? Se teve, em que sentido? R: Com certeza. Antes eu achava que tinha que ser mais “desenhista”, depois do Henfil, eu vi que não era bem isso. Claro que um bom desenho faz parte do nosso trabalho, claro que temos que aperfeiçoar esta arte cada vez mais, mas o principal é a mensagem, é que temos que comprar briga com o que tá errado, temos que incomodar, “gritar com os nossos rabiscos”, dar voz pra um monte de gente que não tem como se manifestar, temos que meter o dedo na ferida, sermos oposição no sentido da cobrança ferrenha que essa palavra carrega.. Vi que o chargista, mesmo usando o humor como recurso pra chamar a atenção, nem de longe é um humorista gráfico. O chargista é um crítico, um contator das mazelas e provocador para que algo deve ser mudado, corrigido. O importante é expor esses fatos, mesmo que isso faça com que muita gente fique contra nós. Que se dane, nossa função não é conseguir likes, e sim, gerar o debate necessário.
5. Qual foi a impacto dos Quadrinhos e Charges do Henfil na Imprensa Sindical? E na esquerda? E entre seus amigos? Quais eram os comentários das pessoas?
Ter uma voz como a do Henfil nesses campos foi de uma relevância enorme. Quantas vezes a esquerda e a imprensa sindical só foram ouvidas por conta dos seus traços? Estamos falando de uma época que o alcance dos trabalhos, do que queríamos falar, não era tão grande e facilitado quanto hoje, na era das redes sociais. Tinha que ser algo muito impactante pra romper certas barreiras. Impactante, inteligente e acima de tudo humano. E o Henfil rompia todas as barreiras, e com isso a voz sindical e da esquerda era escutada numa magnitude surreal para a sua época. A sua militância serviu (e servem) de inspiração para que muitos seguissem os seus passos. Entre os meus amigos, todos que vieram, assim como eu, a conhecer seus trabalhos anos após a sua morte, são unanimes nos comentários positivos. Se não conseguem render comentários positivos com o seu trabalho, acho quase que impossível estarem na minha roda de amizade.
6. Acompanhava as entrevistas do Henfil na Imprensa? Teve alguma que lhe marcou? Porquê?
Fui acompanhar bem depois de sua morte, nos livros, na internet. A sua entrevista ao Tarik de Souza, que até rendeu um livro é uma verdadeira aula. Mas confesso que nada me causou mais impacto do que o livro O Rebelde do Traço, do Denis Moraes. Me marcou muito. Não só pelas histórias sobre a vida do Henfil, mas também pela forma que percebi que a sua vida estava diretamente ligada à atual democracia que vivemos, o quanto não podemos falar de uma coisa sem falar de outra. O quanto o Henfil é muito maior que o seu trabalho, e olha que tá pra nascer um chargista com um trabalho tão gigante quanto o dele.
7. O que achou da iniciativa da Editora Noir em reunir estas entrevistas em um livro? Que efeito acha que este livro terá em você e nos demais leitores?
Eu sou suspeito falar. Como disse. Devoro tudo que tem o nome do Henfil envolvido. Que bom que essa iniciativa foi tomada. O impacto em mim, com certeza será positivo. Tudo que leio sobre ele me trás algum ensinamento, algo a acrescentar. Espero que cause o mesmo nos outros leitores.
8. Henfil era um profissional multimídia, atuando na TV e no Cinema. O que achou das produções do cartunista em TV Home e Tanga, deu no New York Times?
Curto tudo que tem Henfil envolvido, e no caso de Tanga, tem um gostinho a mais, tem o Flavio Migliaccio no elenco: juntou o muito bom com o bom demais. Acho que nós chargistas deveríamos seguir o exemplo desse pioneirismo que o Henfil tinha e começarmos a usar nossas críticas em outras formas de mídia. Facilidade pra isso, nem se compara com a que ele teve quando meteu a cara nesses novos campos.
9. Pra você, qual é o tamanho da falta que Henfil faz?
Tem nem como medir essa falta. É algo gigantesco. Imagine aí o Henfil frente a este governo? Aliás, será que teríamos este governo se o Henfil ainda fosse vivo? Quantas pessoas não teriam outra atitude nas eleições que elegeram o atual governo se Henfil fosse vivo? Ele era um grande formador de opinião. Já pensou no Henfil em tempos de redes sociais? A vida que os seus personagens teriam com a tecnologia atual? O alcance das suas ideias nos dias de hoje? Com certeza muita coisa seria diferente. Pra melhor! Por sorte seu trabalho é atemporal, não morreu.
10. As novas gerações conhecem pouco do trabalho do Henfil. Apesar de uma exposição de originais no Centro Cultural Banco do Brasil (2005) no Rio e em SP ter tido público recorde na época. O que fazer pra melhorar isso? O livro organizado pelo Gonçalo Jr pode ajudar?
Com certeza pode. Eu acho que o Henfil merecia mais reconhecimento, mais divulgação da sua arte. Ferramenta e matéria-prima pra isso nós temos demais, mas sinto que ainda fica restrito a nossa bolha, infelizmente. Uma vez fui sugerir à um jornalista de cultura que fizesse uma matéria especial sobre o Henfil, e a resposta que eu tive foi um questionamento, me perguntando em que banda o Henfil tocava. É essa a realidade. Vivemos num país que não valoriza sua cultura e nem o seu povo. Morreu, é apagado, que se dane o tamanho da sua obra e dos seus feitos. O que fazer pra melhorar isso? Todo um trabalho educacional desde lá de baixo, de criança, mostrando a importância da história do nosso país e do nosso povo.
11. O Brasil hoje está 'sick da vida' com tantos ataques à democracia, à inclusão social, racial e de gênero, à distribuição de renda? Ou a coisa precisa piorar mais pro povo reagir?
Se piorar fudeu! Pior que se tratando de Brasil, tudo pode piorar. Já passou da hora do povo reagir.
12. Como Henfil estaria reagindo à sanha fascista, totalitária e anti-democrática que abocanhou os três poderes?
Ele estaria rabiscando feito um louco. Dominando toda tecnologia e novas formas de mídia pra mandar o seu recado. Estaria fazendo barulho, iniciando movimentos, puto com a passividade que as vezes vejo no povo diante de tanta merda. O cemitério dos mortos-vivos estaria lotado, enterrando gente de pé pra caber mais elementos.
13. Henfil foi um dos fundadores do PT, que se propunha a transformar radicalmente a sociedade. Esta décima terceira pergunta é o espaço pra suas considerações, não finais, mas futuristas. É possível ainda transformar o país de forma radical? O humor entra nisso?
Se eu não acreditasse nessa possível transformação eu largava as charges. Ainda faço porque acredito nisso. E só por isso. Ela não me traz um conforto financeiro, não me traz uma estabilidade profissional, não me traz fama, amizades, nada. Pelo contrário, estamos cada vez mais desvalorizados no mercado. Foi-se o tempo que os chargistas tinham esse lado positivo. Mas ainda temos a certeza desse poder transformador que o pensamento crítico pode trazer. E o humor, a charge ainda são armas poderosas em despertar esse tipo de pensamento. Ainda incomodam os poderosos, pois eles sabem que quanto mais o povo pensa, quanto mais o povo debate, mais difícil fica manipular a massa. Tanto que volta e meia vemos gente muito poderosa, como o próprio presidente, usando leis da época da ditadura pra tentar calar chargistas. Então, enquanto o lápis tiver ponta, eu vou tá rabiscando na esperança de mudar alguma coisa e deixar um lugar bem melhor pras minhas filhas.
QUEM É RODRIGO BRUM
Natural de Maricá-RJ. Formado em publicidade pela ESPM com especialização em direção de arte e redação. Discípulo de Daniel Azulay e fã de carteirinha da Laerte, Angeli e Henfil. Começou no mercado de cartuns fazendo caricaturas ao vivo em eventos. Atualmente mora no Rio Grande do Norte, onde passou por diversos jornais do Estado e hoje, além de atuar como diretor de arte, faz as charges diárias do jornal Tribuna do Norte, do jornal do Sindicato dos Bancários do RN e do jornal televisivo Bora RN (TV Band-RN). Participante de diversos salões de humor e exposições nacionais e internacionais. Ilustrador, quadrinista e ex-colaborador da revista MAD, tendo lançado diversos livros quadrinhos e charges. Vencedor do prêmio Angelo Agostini como melhor cartunista de 2015; vencedor do Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos em 2016 e 2018 na categoria artes, segundo lugar no concurso de cartum “Nova Previdência Social: Melhor para quem?” em 2019, um dos 10 selecionados para o edital de cartuns antirracistas promovido pela ARTIGO 19 e Coalizão Negra por Direitos em 2020 e um dos vencedores do “Prêmio de Destaque Vladimir Herzog Continuado” em 2020 com o movimento #somostodosaroeira. Membro da Revista Pirralha. https://revistapirralha.com.br/
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